Carlos Kaspchak
Do UOL, em Curitiba

Diálogos no caso de hospital de Curitiba são normais em UTIs, diz presidente de associação

Cintia Magalhães Carvalho Grion - Representante AMIB - Paraná - Entende como normais os diálogos e condutas do Caso-Curitiba

Cintia Grion é Coordenadora do Hospital Evangélico de Londrina e Presidente da SOTIPA ( PARANÁ)

 

A presidente da Sotipa (Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná) --regional da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira)--, Cintia Magalhães Carvalho Grion, disse que as declarações da médica Virginia Soares, que foi presa e acusada de homicídio qualificado enquanto trabalhava na UTI do Hospital Evangélico de Curitiba, podem ter sido mal interpretadas. Virginia teve telefones grampeados durante a investigação da polícia.

"O que aconteceu na UTI do Hospital Evangélico não é diferente do que é praticado nas UTIs de todo o mundo, onde deve-se decidir sobre a limitação ou não do suporte de vida dos pacientes considerados terminais", disse ela, ao avaliar os depoimentos e partes do conteúdo do inquérito policial. "Está claro que há sensacionalismo em torno do caso."

Ontem, a divulgação de transcrições de gravações telefônicas revelou que policiais anotaram "assassinar" quando na verdade ela disse "raciocinar" num diálogo com colega da UTI do hospital.

A médica e professora de medicina intensiva na UEL (Universidade Estadual de Londrina), mestre e doutora na área, com muitas publicações especializadas, disse que "não vê nada de anormal" nas declarações da médica Virginia Soares, sempre ressaltando que é preciso conhecer o contexto em que foram feitas.

"Mas pelos depoimentos, me parece que há uma interpretação errada dos atos médicos, mesmo entre pessoas da equipe da médica, e as feitas pelos familiares dos pacientes. Há uma criminalização das falas sem se levar em conta o contexto e como foram feitas", disse Cintia Grion.

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Segundo ela, as decisões sobre a limitação do suporte de vida dos pacientes podem ser polêmicas, mas que só podem ser tomadas em consenso entre a equipe médica e a família dos pacientes.

A médica afirmou que o ambiente das UTIs pode ser estressante e angustiante, mas que antes de tudo é frustrante para quem deve tomar decisões sobre continuar ou não um procedimento terapêutico, que pode resultar em morte do paciente.

"Por isso, as decisões sobre se a continuidade ou não de um tratamento podem ser interpretadas de forma equivocada se há falta de diálogo e falha na comunicação entre todos os envolvidos", disse.

Para ela, os problemas de diálogo e de comunicação podem levar a muitas distorções e interpretações erradas sobre as decisões dos médicos.

Artigo: Às vidas na UTI

"Acho que, por isso, tantas pessoas procuram agora a polícia para falar sobre pacientes internados na UTI do Evangélico. Elas querem uma explicação para o que aconteceu e muitas vezes não entendem as situações e agora questionam as decisões, pois antes não foram esclarecidas."

Ela disse que em uma  UTI não se pode garantir resultados. "Não é um contrato de fim e sim de meio--não se pode dizer que não haverá morte, dependendo da gravidade de cada caso, e esta sempre é uma situação difícil para todos", disse Cintia.

Resolução

A decisão sobre limitar o suporte de vida em uma UTI é chamada de ortotanásia e é regulamentada no Codigo de Ética Médica e está prevista na resolução 1805/2006 do CFM (Conselho Federal de Medicina).

 

"É diferente da eutanásia, que é crime, e também da distanásia, a obstinação terapêutica, que é quando não se colocam limites no suporte á vida, muitas vezes com procedimentos que implicam no sofrimento do paciente e que não vão resultar em cura e prolongam sem necessidade o tratamento", disse.

"É comum as pessoas acharem que não há limites para os tratamentos intensivos, mas muitas vezes a realidade é outra e deve-se avaliar com muito critério."

Segundo a médica, o ambiente das UTIs é muito organizado.

"É muito diferente do setor de emergência, por exemplo. Em uma comparação pode-se dizer que uma UTI é como uma cabine de pilotar avião. Existem vários procedimentos padrão,  checklists e outros para se garantir a segurança do paciente. Então não é simples decidir sobre sobre continuar ou não um tratamento que pode resultar em morte do paciente".

"Não vou entrar no mérito das decisões da doutora Virginia, mas a minha primeira impressão é que faltou diálogo dentro da própria equipe médica e que isso gerou estas interpretações equivocadas sobre os procedimentos adotados", concluiu.