O voo mais alto da Amil
Com a compra da Medial e o lançamento de marca, a empresa dá seu maior salto no setor de saúde privada e passa a atender consumidores de todas as classes sociais

Amauri Segalla e Tatiana Vaz

 
 
Claudio Gatti/ag. istoé
Edson Bueno A vocação para inovar do fundador da Amil o ajudou a construir a maior empresa do setor na América Latina

“Chefe, esse omelete está uma delícia, pega mais um pedaço”, diz o médico-cirurgião Edson de Godoy Bueno, dono da Amil, ao repórter. São 8 horas da manhã da quarta-feira 25 e ele parece feliz da vida. “Chefe, a minha empresa é uma beleza, você precisa ver.” Dias antes, ele fechara a compra da Medial, sua principal concorrente. “Chefe, foi difícil, mas deu tudo certo.” Dividir uma mesa de café da manhã com Bueno (“ah, não me chama de doutor, por favor”) é uma experiência rara, ainda mais se você estiver na casa dele. O médico é eloquente, repleto de boas histórias.

“Chefe, estamos pensando agora em fazer aquisições. Você não quer mais omelete?” Ele sai depois contando: “Tenho uma Tarsila do Amaral que comprei do José Mindlin. O Mindlin foi um grande inspirador.” E os negócios, Bueno? “Chefe, tem tanta coisa acontecendo dentro da Amil...” Bueno tem o hábito de chamar qualquer pessoa que se dirija a ele pelo carinhoso epíteto de chefe. Mas o curioso é que, na verdade, é ele o big boss.

O falante, informal e elétrico fundador da Amil está no ritmo de sua empresa: a mil por hora. Com a compra da Medial, ele finaliza sua sexta aquisição em três anos e consolida um império que vai fechar 2009 com um faturamento de R$ 7 bilhões. Na Amil, como na vida deste médico, tudo é muito veloz. A própria aquisição da Medial é exemplo disso. Realizada há duas semanas, a tacada coloca a Amil na liderança absoluta do setor de planos de saúde do Brasil. Embora tenha sido um dos maiores negócios da área médica, o processo durou apenas três dias, desde a primeira aproximação até a assinatura final dos documentos. Há pelo menos um ano o mercado especulava a possibilidade de a Amil fisgar sua principal concorrente. O problema é que os dois principais controladores da Medial, Samir José Kalil e Geraldo Rocha Mello, jamais aceitaram iniciar as conversas. “Sempre que os consultei, eles me disseram que eram compradores e que não venderiam coisa nenhuma”, diz Bueno. Nos últimos meses, a situação mudou. A estratégia da Medial de oferecer preços abaixo da concorrência – modelo que durante muito tempo garantiu resultados consistentes para a empresa e a levou a se tornar uma gigante com receitas em torno de R$ 2 bilhões – deixou de funcionar.

 

Lição de Vida: o jovem Edson Bueno ao lado do pai e, anos depois, na universidade

De engraxate a aluno de Harvard

Ele repetiu quatro vezes a mesma série no primário. Aos 5 anos, perdeu o pai. Para ganhar uns trocados, fazia bicos como engraxate. Tudo conspirava para um futuro difícil. Mas hoje o médico-cirurgião Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, é um dos empresários mais bem-sucedidos do Brasil.
O milagre? “Um belo dia, decidi que não faria o normal, e o normal era levar uma vida sofrida na pequena Guarantã, onde nasci”, diz Bueno. Inspirado por um médico da cidade, resolveu que seu futuro estava na medicina.

Formado pela antiga Faculdade Nacional da Praia Vermelho, no Rio de Janeiro, começou sua trajetória empresarial ao se tornar sócio de uma modesta casa de saúde no Rio que estava afogada em dívidas. Mais tarde, o ex-mau aluno foi estudar administração em Harvard, nos Estados Unidos. Hoje, comanda a maior empresa de planos de saúde da América Latina.

Com a compra da Medial e o lançamento de marca, a empresa dá seu maior salto no setor de saúde privada e passa a atender consumidores de todas as classes sociais

Amauri Segalla e Tatiana Vaz

 

Bueno, que mora no mesmo prédio que um dos donos da Medial, nos Jardins, em São Paulo, pressentiu que era o momento de uma nova tentativa. Outro fato o levou a procurar novamente a Medial. Em outubro, ele tomou um susto. “A OdontoPrev estava na minha cabeça, mas o Bradesco saiu na frente.” Ele se refere à compra da empresa criada pelo dentista Randal Luiz Zanetti, que passou a ser controlada pelo banco.
Com a perda da OdontoPrev, restava apenas um grande player no mercado – a Medial. “Ou eu fechava o negócio agora ou perderia uma das grandes oportunidades da minha vida”, afirma o dono da Amil. Um golpe de sorte agilizou o negócio. Bueno encontrou em um evento em Brasília um dos herdeiros da Medial. E decidiu fazer a proposta ali mesmo. “Quer vender? Eu compro à vista.” Ao contrário das outras investidas, desta vez parecia que havia interesse da Medial.

Bueno ligou para outros sócios da Medial, que aceitaram sentar para “trocar informações”. As negociações evoluíram e advogados foram convocados para acertar as bases da proposta. Às 21 horas da quarta-feira 18, Bueno recebeu uma ligação de seu advogado, que o convocava para uma reunião naquela noite mesmo. O dono da Amil e os 16 herdeiros da Medial foram ao escritório de advocacia Mattos Filho, um dos mais conceituados de São Paulo. A leitura minuciosa dos documentos demorou longas horas e apenas às 4 da madrugada a última assinatura, a de Bueno, selou o negócio.

 

Bio Barreira/ag. istoé ,Fabiano Cerchiari/ag. isto

A Amil vai pagar R$ 612 milhões pelo controle da Medial, dinheiro equivalente a 52% do capital total da empresa. Considerando a oferta que será feita aos acionistas minoritários, o investimento total deve chegar a R$ 1,2 bilhão, um acréscimo de 17% sobre o valor de mercado da companhia. Segundo o contrato, as ações do bloco controlador serão compradas em dinheiro e depois será lançada a oferta ao mercado. “Para a Amil, o negócio fortalece principalmente sua atuação em São Paulo”, diz Daniel Gewerh, analista da corretora Santander. Na capital paulista, sua participação no total de planos de saúde contratados passará de 7,9% para 15,1%. No Brasil, vai saltar de 6,2% para 10,1%. Com a aquisição da Medial, a Amil soma 5,2 milhões de beneficiários (incluindo planos de saúde e dentais) e abre uma margem de um milhão de clientes a mais do que o segundo colocado, o Bradesco Seguros.

Com a compra da Medial e o lançamento de marca, a empresa dá seu maior salto no setor de saúde privada e passa a atender consumidores de todas as classes sociais

Amauri Segalla e Tatiana Vaz

 

 

A Medial também reforça uma frente de negócios que estava relativamente desguarnecida pela Amil: o público da classe C, aquele que, segundo os especialistas, moverá o Brasil nos próximos anos. “Como a Medial tem maior presença no Nordeste, que é hoje uma de nossas prioridades, seremos favorecidos por isso”, diz Bueno. Em 2010, ele pretende abrir um novo escritório em Salvador, na Bahia, ou no Recife, em Pernambuco. Por enquanto, nesses locais será explorada a marca Medial, bastante conhecida na região.

O avanço consistente da Amil no setor não enxerga limites. Olhando para o topo da pirâmide, aquele formado pelo público “AA”, a companhia vislumbra uma nova investida. Em 2010, será lançada em São Paulo uma marca premium de planos de saúde, a ONE. Segundo Bueno, a ONE nasce com o objetivo explícito de concorrer com a Omint e a Lincx, empresas que vendem produtos para esse público de alta renda. Inicialmente, o produto vai ser oferecido apenas ao mercado paulista, o mais rico do País, e depois deve ser expandido para as principais capitais brasileiras. “Teremos serviços como reembolso em no máximo 24 horas de qualquer tipo de consulta”, diz Bueno. A base da operação já está montada.

Um andar num dos mais luxuosos prédios da capital paulista, o Iguatemi Plaza, servirá como “QG” premium da ONE. Nesse local, 35 agentes de primeira linha do grupo irão prospectar a camada mais exclusiva de clientes. A operação será sustentada por uma grande ação de marketing. “Vou me encarregar pessoalmente desse projeto, inclusive entrando em contato com os clientes”, afirma Bueno.
Iniciativas como essa ressaltam a trajetória inovadora da Amil. A empresa foi a primeira do País a lançar o serviço de resgate aéreo e colocar no mercado planos de saúde que oferecem carência zero. Bueno agora está envolvido na criação de um novo conceito de hospital, com arquitetura mais amigável, muito verde em torno do prédio e espaço de lazer para os médicos. A primeira experiência desse tipo será inaugurada em 2010, em São Paulo. Com investimentos estimados em R$ 140 milhões, a Amil vai introduzir o modelo em um hospital próprio no Jardim Anália Franco, na zona leste de São Paulo. Em 2011, será a vez de um centro médico na Barra da Tijuca, que consumirá recursos superiores a R$ 200 milhões. Tudo isso exige vigor financeiro. A Amil tem dinheiro em caixa.

A empresa fechou o mês de setembro com sobra líquida de R$ 1 bilhão e não descarta fazer uma nova emissão de ações. Em abril de 2007, listou seus papéis na Bolsa de Valores de São Paulo, o que lhe assegurou uma captação de R$ 1,2 bilhão. “É inegável que a Amil tem saúde financeira para levar seus projetos adiante”, diz Frederico Torolla, professor de economia da ES PM e especialista do setor.
Projetos não faltam para a Amil, o que se deve inclusive à personalidade determinada do dono da empresa. Bueno é um turbilhão de ideias. No momento, ele estuda uma forma de partir para o Exterior. “Como agora existem poucas opções para compra no Brasil, talvez a saída seja partir para a internacionalização”, diz. Nesse caso, a empresa tem uma experiência que não foi bem-sucedida. Entre 1995 e 2005, levou sua marca para os Estados Unidos, mas depois de uma década no mercado mais competitivo do mundo teve de recuar.

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O voo mais alto da Amil
Com a compra da Medial e o lançamento de marca, a empresa dá seu maior salto no setor de saúde privada e passa a atender consumidores de todas as classes sociais

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“Naquela época, eu não tinha estrutura para enfrentar a concorrência americana”, diz Bueno. “Agora é diferente.” Como acontece com companhias de qualquer setor, crescer de forma muito veloz impõe desafios. “O principal deles é manter a qualidade dos serviços oferecidos, principalmente se a empresa tiver uma área de atuação muito ampla”, diz Álvaro Escrivão Júnior, professor da Fundação Getulio Vargas. A compra da Medial e o lançamento de uma marca destinada ao público de alta renda tornam a Amil uma empresa de saúde única no mercado brasileiro Nenhuma concorrente possui um portfólio de produtos tão completo, que atende praticamente a todas as classes sociais. Mas Bueno quer mais. “Chefe, não há limites para nós ou para qualquer empresa. Anote aí: o impossível não existe.”

 

“A negociação mais rápida”
Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, fala sobre a aquisição da Medial e revela os planos da empresa para os próximos anos

DINHEIRO – Qual é a importância da Medial para os planos da Amil?
EDSON BUENO – A Medial é uma empresa consolidada no mercado brasileiro, com forte presença em São Paulo. Aliás, foi a negociação mais rápida da história do Brasil. Em apenas três dias, batemos o martelo.

DINHEIRO – É verdade que o sr. tentou comprar a OdontoPrev, que recentemente foi vendida para o Bradesco?
EDSON – A OdontoPrev estava nos meus planos, sim, mas o Bradesco saiu na frente. Como perdi esse negócio, acabei acelerando a compra da Medial antes que alguém fizesse uma proposta para os acionistas da empresa.

DINHEIRO – A Amil vai fazer novas aquisições?
EDSON – No Brasil, não existem mais muitas opções disponíveis. Uma saída que estudo é investir no Exterior, mas não existe nada em negociação.

DINHEIRO – Quais são os planos para 2010?
EDSON– Vamos lançar novos hospitais e concluir a integração da Medial. O ano de 2010 também marca a estreia de uma nova marca da Amil, a ONE, que será destinada exclusivamente ao público de alta renda.