MÃES DE UTI

“Os bebês prematuros precisam de força.
Os pais têm de acreditar neles”
KÁTIA REGINA KRUL, mãe da menor menina prematura do Brasil

 

Revista Época - 2008

No frágil mundo dos prematuros

A cada ano, 200 mil bebês nascem antes dos nove meses no Brasil. A proporção de prematuros dobrou em uma década. A maioria sobrevive. Mas novas pesquisas sugerem que a dor e o estresse na UTI podem deixar seqüelas. O que fazer para diminuir o sofrimento
Cristiane Segatto, Gisela Anauate, Marcela Buscato (texto) e Caio Guatelli (fotos)
Caio Guatelli
SALVAS PELA UTI
As gêmeas Maria Eduarda (à esq.) e Leticia Vitória, a menor menina nascida viva no Brasil. Ela pesava
apenas 395 gramas. Com 1 ano e 9 meses, é 3 quilos mais magra que a irmã e não anda como ela

A luta pela vida

Um dos principais avanços que permitiram mudar o destino dessas crianças foi a produção em laboratório de uma substância chamada de surfactante. Os pulmões dos prematuros ainda não estão prontos para produzi-la naturalmente. Antes dos anos 80, as crianças morriam de asfixia. Foi o que aconteceu com Patrick, o filho caçula do presidente John F. Kennedy que nasceu em 1963 com 2,1 quilos no sétimo mês de gestação. Essa morte precoce estimulou um grande investimento em pesquisa e equipamentos nos Estados Unidos. Surgiram as primeiras UTIs neonatais. Hoje, até os serviços mais modestos do Brasil recebem surfactante. Houve uma enorme evolução também na cardiologia neonatal, na nutrição dos bebês, na monitoração da oxigenação sanguínea, na tecnologia das incubadoras. Com esses recursos, as melhores UTIs brasileiras exibem elevados índices de sobrevivência. Entre os bebês que nascem depois das 28 semanas de gestação, 95% sobrevivem. Mas apenas metade dos nascidos na 23ª semana sobrevive.

“O desenvolvimento do prematuro pode ser
influenciado pelo barulho e pela dor”
MARY RUTHERFORD, neurocientista

O esforço das equipes para manter essas crianças vivas a todo custo produziu o fenômeno dos microprematuros. No ano passado, a americana Amillia Sonja Taylor, nascida com 283 gramas e 24 centímetros na metade de uma gestação normal, surpreendeu o mundo ao sobreviver. Ela passou quatro meses num hospital de Miami, onde enfrentou inúmeros procedimentos dolorosos. Considerada a menor prematura do mundo, Amillia vai fazer 2 anos em outubro. Precisa de oxigênio para dormir e tem alguns atrasos de desenvolvimento. Não consegue sentar-se sozinha e tem dificuldade para sustentar a cabeça. O menor bebê brasileiro que conseguiu sobreviver é Arthur Carvalho. Ele nasceu há quase dois anos na Clínica Perinatal Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Pesava apenas 385 gramas. Seu pé media 3,7 centímetros – um pouco maior que o diâmetro da moeda de R$ 1. Arthur não apresenta seqüelas. Histórias de sucesso levam pais e obstetras a supervalorizar o poder dos neonatologistas. “Todos acham que a UTI vai dar um jeito, e o prematuro vai sobreviver com qualidade de vida. Nem sempre é assim”, diz Sergio de Sousa Ayres, chefe da UTI neonatal do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo.

Para garantir um futuro saudável é fundamental reduzir os eventos que podem deixar seqüelas. Prematuros podem sofrer hemorragias, ter dificuldades para respirar e para fazer funcionar órgãos não totalmente desenvolvidos. O cérebro do bebê pode deixar de receber a oxigenação necessária. Tudo isso pode causar graves lesões cerebrais. “Esses problemas e o risco de infecções são os principais perigos para o cérebro em desenvolvimento”, diz Mary Rutherford, pesquisadora do Imperial College, em Londres. Ela usou imagens de ressonância magnética para avaliar como se desenvolve o cérebro de prematuros (leia o quadro na pág. anterior). “As imagens mostram que o processo de desenvolvimento do cérebro de um prematuro continua intenso, mesmo enquanto ele está enfrentando o ambiente adverso de uma UTI neonatal”, diz Mary. “É certo que fatores como luz intensa, barulho e dor terão conseqüências no desenvolvimento futuro. Mas ainda não conseguimos entender exatamente qual é a extensão disso”.

As emoções da família

A vida na UTI é muito estressante também para os pais. As emoções são volúveis. Transformam-se na velocidade de um choro. Se uma mãe num minuto está esperançosa, no outro está aflita. “Ganhei uma úlcera nervosa”, diz Klébia Leite Ribeiro, de 40 anos, mãe de Arthur, há quase dois meses no Hospital das Clínicas. Ele nasceu com problemas graves no coração. Debilitado, contraiu pneumonia. Klébia passa as manhãs em casa com os outros três filhos. As tardes são de Arthur. “Quando a criança está internada, parece que não é sua, e sim do hospital”. A primeira visita ao filho internado é provavelmente um dos momentos mais difíceis para os pais. “A prematuridade é quase um atropelo”, diz a psicóloga Prislaine Krodi, do Hospital das Clínicas. “Quando o parto acontece, a mãe ainda está abrindo um espaço psíquico para um filho em sua vida”. O período de gestação é importante para a mente da mãe aproximar a imagem do bebê que sonha em ter com a do bebê que nascerá realmente. No caso do parto prematuro, há uma interrupção. A distância entre essas duas imagens torna-se imensa. Toda mãe sonha com um bebê fofo. Quem chega é uma criança magra, pequena, com a pele murcha e possíveis problemas de saúde.

Caio Guatelli
ACONCHEGO
Com quase 1 mês de vida, a pequena Yasmin passa boa parte do tempo no peito da mãe, Romilene, na UTI do Hospital das Clínicas. É o método canguru, que relaxa os prematuros e combate os efeitos da dor e do estresse

Quando a família percebe que a equipe está fazendo o possível para evitar o sofrimento da criança, o estresse dos pais é amenizado. “Evitar a dor não é só dar remédio, é uma atitude geral”, diz Manoel de Carvalho, da Clínica Perinatal Laranjeiras. Medidas simples, como realizar procedimentos enquanto o bebê está no colo da mãe, podem ajudar.Uma estratégia bastante difundida e eficaz é o método canguru, aquele no qual a criança fica o máximo de tempo possível em contato com a pele da mãe. Isso acalma o bebê e o ajuda a controlar a ansiedade. “Fazemos tudo o que é possível para dar conforto aos bebês”, diz Angela Midori Matuhara, chefe da Enfermagem da UTI do Hospital das Clínicas. Yasmin Otomo de Brito saiu há poucos dias da incubadora, onde era alimentada por uma sonda. É um dos poucos bebês que podem ficar acomodados no peito da mãe, Romilene, por períodos prolongados. Com 1 mês, pesa 1,57 quilo e dorme num bercinho. Só precisa crescer para ter alta.

Em breve, estará em casa, como Leticia Vitória, a menor menina já nascida no Brasil. Em outubro de 2006, ela veio ao mundo com apenas 395 gramas. Sua irmã gêmea, Maria Eduarda, também nasceu pequena, mas tinha o dobro de seu peso. As filhas de Kátia Regina Krul e de Alexandre Sleifer, hoje com 1 ano e 9 meses de idade, foram fruto de uma inseminação artificial, após anos de tentativas. Durante a gestação, um interligamento entre as duas placentas impedia a correta distribuição de nutrientes aos dois bebês. Enquanto um definhava, o outro crescia. Na 26ª semana, Kátia teve hipertensão e foi submetida a uma cesariana. O objetivo era salvar a vida dela e a de Maria Eduarda. Leticia também sobreviveu. As meninas foram internadas na Maternidade Santa Joana, em São Paulo. Kátia tinha medo de encostar em Leticia. A mão da filha era tão pequena que seus dedos não se fechavam sobre o mindinho da mãe. Na UTI, a menina ganhou o apelido de Microgota. Cresceu e aos pouquinhos virou Gota.

Hoje as irmãs brincam juntas na casa dos pais, em Cotia, a 33 quilômetros de São Paulo. Têm a mesma altura, mas Leticia é 3 quilos mais magra. Ela não tem seqüelas graves da gestação problemática, mas um atraso motor – ainda não anda como a irmã. Apóia-se sobre os móveis. Sessões de equoterapia, uma modalidade terapêutica com cavalos, ajudam-na a se desenvolver. Enquanto Maria Eduarda fala as primeiras palavras, como “mamãe”, Leticia balbucia alguns sons. Segundo a mãe, Leticia está passando por todas as fases de um bebê comum. Só demora mais para alcançar cada uma delas. Para ter seu desenvolvimento avaliado, ela vai ao neurologista e ao oftalmologista de seis em seis meses. “Os bebês prematuros precisam de força”, diz Kátia. “Os pais têm de acreditar neles”. Kátia está grávida de quatro meses. Desta vez, engravidou naturalmente e espera apenas um bebê. Diz não ter mais medo nenhum. A Gota a ensinou a ser corajosa.

 

50% das mães são abandonadas após período maior que 3 meses de internação dos seus filhos na UTI

 

 

BJ Thomas descreve uma jovem mãe de 16 anos, sozinha, assustada, nina para seu filho para acalmá-lo diante das dificuldades da vida.

 

 

UTI: Uma lição de vida e esperança !