Reportagem UOL

Discutir tratamento de doentes terminais em UTIs ainda é tabu no Brasil

Carlos Kaspchak
Do UOL, em Curitiba

Henry Milléo/Gazeta do Povo/Futura Press - 

 

Virginia Helena Soares de Souza, medica chefe da UTI do hospital Evangélico de Curitiba, durante sua prisão

A decisão sobre a continuidade ou não de tratamentos em uma UTI que podem resultar na morte de um paciente, e que é conhecida como ortotanásia, ainda é recente no Brasil e está envolta em tabus culturais e na falta de informação de médicos e familiares. A questão ganhou destaque depois da prisão de quatro médicos e uma enfermeira que trabalhavam na UTI do Hospital Evangélico, o segundo maior de Curitiba (PR), no dia 19 de fevereiro, acusados de provocar deliberadamente a morte de pacientes. No Brasil, o assunto ainda é pouco discutido, segundo o médico Álvaro Réa Neto,  professor de medicina na UFPR (Universidade Federal do Paraná), doutor em medicina intensiva, tem 30 anos de prática profissional e é coordenador do Cepeti (Centro de Estudos e Pesquisa em Emergências Médicas e Terapia Intensiva), que presta consultoria para 10 UTIs de hospitais de Curitiba, o assunto ainda é polêmico no país e que  discussão sobre a limitação sobre o suporte avançado de vida  é uma realidade  nos hospitais e universidades e deve ser debatida.

O que é distanásia, ortototanásia e eutanásia

Ortotanásia é o termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e percurso da doença. Portanto, evitam-se métodos extraordinários de suporte de vida, como medicamentos e aparelhos, em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a suporte avançado de vida. Distanásia é a prática pela qual se prolonga, por meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável. Também pode ser conhecida como "obstinação terapêutica". É a persistência terapêutica em paciente irrecuperável pode estar associada a distanásia, considerada morte com sofrimento. Eutanásia é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. No Brasil esta prática é considerada crime."Essa discussão sobre a ortotanásia deve ser ampliada. Há muitas resitências, não só no meio médico e acadêmico, mas também na sociedade. Ainda é um tabu discutir a morte. Nossa cultura considera a vida sagrada, mas esquece de lembrar que a vida também tem limites. E que, em certos momentos, é preciso decidir sobre se realmente vale a pena manter tratamentos que não darão resultados e só prolongam a sobrevivência do doente sem necessidade", afirma Réa Neto. Segundo ele, as equipes médicas das UTIs precisam avaliar, todos os dias, a situação terapêutica dos doentes terminais, se devem ou não continuar tratamentos que podem ou não se reverter em sobrevivência do paciente. "Não se pode  simplesmente tentar prolongar a vida do paciente, com sofrimento, e sem garantia de sobrevivência com qualidade de vida. Isto é distanásia, obstinação terapêutica, e não é ético ou humano", explica. A ortotanásia está regulamentada pelo CFM e é aceita pela Justiça. Só pode ser tomada em consenso entre a equipe médica e os familiares do paciente.

Pesquisa sobre mortes em UTIs

Réa Neto  disse que uma pesquisa científica feita nos Estados Unidos (EUA) em 2002 revelou que 2/3 dos doentes morriam  nas UTIs por causa de alguma forma de limitação do suporte avançado de vida. "Na ortotanásia muda-se de um tratamento curativa para um tratamento paliativo, que garanta a alimentação, a hidratação e o controle da ansiedade e da dor dos pacientes. O resultado inevitável é a morte, mas de uma forma digna e com pouco sofrimento". Ele disse que esta decisão deve ser consensual entre equipe médica e familiares dos pacientes considerados terminais. Segundo ele,  estudos revelam dois grupos de doentes nas UTIs. Aqueles aos quais  se faz de tudo para salvar a vida e sobrevivem com qualidade de vida e aqueles que também se faz de tudo para salvar vidas, mas que não sobrevivem ou se sobrevivem, não têm qualidade de vida, como pouca consciência da realidade e sofrimento. "Não podemos permitir o contrário, a distanásia, que é também bastante comum nas UTIs, e dar suporte de vida a qualquer custo aos pacientes, que muitas vezes não têm mais qualquer possibilidade terapêutica", afirma. Ele disse que  entre 5% a 20% dos pacientes internados em UTIs são vítimas da distanásia.

O caso da UTI do Evangélico

Sobre o caso da médica Virginia Soares, da UTI do Hospital Evangélico, acusada de provocar a morte de pacientes, Réa Neto disse que ela pode estar sendo mal compreendida, mas que o caso é pedagógico porque rebvela que as decisões sobre limitação do suporte de vida não podem ser feitas como foram nos casos revelados. "Ela tinha o respeito da comunidade médica, mas os fatos mostram que a maneira que ela conduzia os casos não era a correta. Não quero fazer juízo antecipado, mas são decisões polêmicas. Que podem não ter sido éticas. E que se foram arbitrárias e se os pacientes ainda tinham possibilidades terapêuticas, se não eram terminais, então, foram crimes e devem ser investigados com rigor."

Dr. Réa, Ex-Presidente da Associação Médica Intensiva dá Parecer sobre o ocorrido em Curitiba

Comentários do Site

Koquinha

Morrer é a única certeza que temos. Mas morrer cercadas de aparelhos, fios, sondas, sem amenor possibilidades de cura,é desumano. Todos precisasm de seus entes queridos nesta hora. Isso sim, é morrer com dignidade eamor.

camilofo

Lucas! Eu tambem estava achando que tinha muito leigo dando palpites ( sou um deles ). Não sou a favor de se deixar uma pessoa desenganada, sofrendo numa cama de uti mas, pelo que entendi, a reportagem acima se refere ao fato de a decisão de eliminar o paciente ter sido decidida monocraticamente, contrariando inclusive o CRM. Apesar da experiência dela em UTIs, ela não é e nunca será infalível. Sei que é difícil manter em tratamento alguém que tem muito pouca chance e deixar de tratar aquele com maiores possibilidades mas esta decisão nao pode ser do médico ( apenas ).

Lucas Barros

Não vou nem entrar no mérito de culpa ou inocência, pois não cabe a nenhum de nós esse julgamento. Só posso dizer que é mais um nítido e absurdo exemplo de um linchamento público antecipado. A imprensa que faz isso é sórdida. As reportagens parecem mais panfletos sensacionalistas escritos por estagiários sem cultura e aprovados por editores sem ética. Os valores estão todos invertidos - culpada até que se prove o contrário. É revoltante e a sociedade precisa reagir contra casos desse tipo, pois qualquer cidadão pode ser a próxima vítima.

Radoico

Eu já avisei a minha família:"Se parar, parou", nada de "distanásia" para cima de mim.

heloisaleal

Os casos da UTI do Hospital Evangélico e da Boate Kiss de Santa Maria têm em comum revelar ao país realidades com as quais convivemos e não refletimos e quando vêm à tona ficamos impactados. Todos os dias os hospitais buscam meios de desocupar leitos para os pacientes que chegam e precisam desalojar os que estão. O sistema de saúde como um todo é criminoso, o caso da UTI de Curitiba é individualizado. Meu pai foi hospitalizado em Bauru/SP devido a um infarto e, na sequência, teve um AVC, conforme os diagnósticos médicos; depois de muitos dias "melhorou" e teve alta. Ficamos felizes em levá-lo para casa de manhã; porém, para nossa surpresa, à tarde foi novamente hospitalizado com febre altíssima, estava com infecção urinária, faleceu dias após. Concluímos que ele não estava em condições para receber alta. Prescrevem alta a pacientes doentes, interrompem tratamentos. E, a Boate Kiss está em todo lugar. Hospitais e Boates não são fiscalizados.

Poder Feminino

Está claro que a médica não era uma fraude ou uma criminosa, pois trabalha há mais de 23 nos em UTI. Para mim está bem claro que primeiro a destruíram e agora estão tentando provar que esta é uma criminosa. Mais, os denunciantes, se realmente presenciaram casos de homicídios e se calaram, são cúmplices, co-autores de assassinato por crime omissivo, não heróis, como alguns estão se achando, devem também serem presos. Questiono também a capacidade técnica deles, pois alguns atos são de competência de médicos e é impossível desligar oxigênio, sem que soem alarmes e quem aplica injeções, mesmo que sob ordens médicas para matar, são assassinos.

Bambini

Eu é que não vou me internar no Hospital Evangélico. Deus deu a vida e só Deus sabe o momento de retirá-la.

noantri

e principalmente quando estiver doente NÃO procure cuidados médicos, mas reze com fervor pois Deus dá a vida e se acha que está na hora de morrer você não tem por que contradizê-lo.

Bambini

Nós temos direito de decidir sobre nossas vidas e se desejamos abreiá-la ou não em Curitiba foi assassinato pois os profissionais não possuem uma autorização de quem quer que seja para tomar providências de facilitar a morte de qualquer um. Então é crime sim.

Bambini

Não é tabu, só que uma classe profissional que ainda não tem horrades para assumir seus erros profissionais até porque é estatísticamente impossível nunca errar não se pode dar poderes para decidir quem vive quem morre. E de mais a mais sem autorização a ortotanásia, a eutanásia e o suicídio assistido é CRIME SIM! Quem resolve quando vai morrer nestes casos é o paciente na impossibilidade deste o familiar e na falta que tem competência é o Ministério Público. O médico deve se ater a tratar o doente e se não houver mais alternativas deve ressignar-se a RESPEITAR A VONTADE DO DOENTE OU DA FAMÍLIA DESTE! Caso contrário aonde fica o estado de direito?

Koquito

"Ela tinha o respeito da comunidade médica, mas os fatos mostram que a maneira que ela conduzia os casos não era a correta. Não quero fazer juízo antecipado, mas são decisões polêmicas". Da para entender? Diz que a condução não era correta! Logo diz que não quer fazer juízo antecipado! Será que teve acesso aos autos para opinar ? Tem vezes que o silencio vale ouro.

NECESSITADO

PARABÉNS BAMBINI...CORROBO E ASSINO EM BAIXO SEU COMENTÁRIO!!